INSTINTO SEXUAL & DESEJO ERÓTICO
Lendo um artigo sobre o fotógrafo Helmult Newton em uma antiga revista Photo (Mai 1993, p. 36), encontrei uma citação interessante de Georges Bataille,¹ o que me levou a pensar em algumas futilidades cotidianas atuais. Bataille afirma, entre outras coisas, que:
“A beleza da mulher desejável anuncia suas vergonhas; justamente, suas partes peludas, suas partes animais.”
Trata-se de uma citação um pouco longa que aborda as problemáticas do instinto sexual e do desejo erótico. Essa frase, no entanto, associa, no caso do instinto, “a beleza da mulher desejável [com as] anuncia (...) suas partes peludas, suas partes animais.” Mas, nos últimos anos, a moda entre as mulheres seria depilar todos os pêlos, incluindo aqueles de “suas partes sexuais”. O tema foi discutido num episódio da série “Two and Half Men”:
“Herb: Estou num hotel que tem filmes pay-per-view para adultos. (...) O que aconteceu com pêlos pubianos?
Charlie: Tiveram o mesmo destino do pássaro dodô [espécie símbolo de extinção], meu amigo.
Herb: Eu quero dizer, eu posso entender o que acontece com as mulheres, mas... com os homens também? É como ver uma casa feia, ou seja, um pouco de arbustos ajuda a disfarçar a aparência da propriedade. (...) E você? Você apara as antigas cercas?
Charlie: Sim. Elas estão em forma como os personagens da Disney.” ²
Isso lembra como as modas influenciam o comportamento das pessoas e como são rápidas as transformações.
Criada no pós-guerra (1953), com uma influência clara do cinema e do estilo chamadas “pin-up”,³ a revista Playboy serve como um exemplo. O visual era aceito de acordo com os padrões de cada período histórico, como a valorização das “as curvas femininas” na década de 1950 ou o estilo “cabide” (a garota extremamente magra como um modelo de passarelas) nos anos pós-1990.
A revista Playboy não aceitava, no início, fotos de mulheres tatuadas ou com “piercing”. A partir das mudanças ocorridas nos últimos anos, não houve outra alternativa (aos responsáveis pela revista) a não ser mudar as próprias regras.
A citação completa de Georges Bataille na revista Photo* (Mai 1993, p. 36) leva a outras considerações:
“A imagem da mulher desejável, a primeira a aparecer, seria insossa – não provocaria o desejo – se não anunciasse, ou não revelasse, ao mesmo tempo, um aspecto animal secreto, mas gravemente sugestivo. A beleza da mulher desejável anuncia suas vergonhas; justamente, suas partes peludas, suas partes animais. O instinto inscreve em nós o desejo dessas partes. Mas, mais além do instinto sexual, o desejo erótico responde a outros componentes. A beleza negadora da animalidade, que desperta o desejo, leva, na expressão do desejo, a exaltação das partes animais”**
Acredito que a compreensão das ideias de Bataille esteja melhor no texto original.* O que interessa, porém, é afirmação no que diz respeito ao desejo erótico na medida em que ele iria “além do instinto sexual”.
É verdade. O desejo erótico acontece na civilização, ou seja, quando o homem em si torna-se contraditório (basta lembrar do Id, Ego e Supergo de Freud) e as suas relações com os outros e com a própria natureza (lembro-me aqui de algumas leituras que fiz de Gramsci) ficam complexas.
Em outras palavras, a realização do desejo para o civilizado não é simples. Ele quer e pode mas não realiza o desejo.
Um exemplo (numa perspectiva mais geral) seria uma mulher - preocupada com a dieta e com os padrões “civilizados” de beleza – diante de uma geladeira repleta de alimentos, doces e bebidas.
Outro exemplo: o rapaz deseja ter relações sexuais com uma garota e diz isso para ela (que também deseja a mesma coisa naquele momento). Entretanto, levando em consideração crenças e normas inventadas na civilização (e que mudam de acordo com a sociedade e a época histórica), a garota diz “não” quando, de fato, gostaria de falar “sim”. Ela ainda apresenta vários “sinais” – que nem sempre são compreendidos pelo rapaz – que significariam várias possibilidades (incluindo, aqui, a de que “algum dia” aquele desejo poderia ser realizado). O resultado é a frustração dos dois numa situação em que os dois desejavam a mesma coisa.
Existe um afastamento do “instinto” e uma aceitação (alienada) de normas impostas na civilização, quando são incentivados sentimentos negativos (como frustração, rejeição, inveja e ciúme) porque existe uma busca pelo poder. Especificamente no capitalismo, ocorre o elogio da individualização e a admiração pela acumulação de bens materiais.
(¹) A citação está no livro: L’érotisme, les Éditions de Minuit, Paris, 1995.
(²) http://en.wikiquote.org/wiki/Two_and_a_Half_Men
(³) I had not had that kind of life since high school. It was being at that reunion and thinking about "Hef"--and all that I had been in school--that motivated me to create Playboy. So the spring of '53, (…) That idea came out of the movies and the pin-up pictures.”
http://money.cnn.com/magazines/fsb/fsb_archive/2003/09/01/350793/
(*) Em francês, é dito: “L'image de la femme désirable, donnée en premier lieu, serait fade – elle ne provoquerait pas le désir – si elle n'annonçait pas, ou ne révélait pas, en même temps, un aspect animal secret, plus lourdement suggestif. La beauté de la femme désirable annonce ses parties honteuses : justement ses parties pileuses, ses parties animales. L’instinct inscrit en nous le désir de ses parties. Mais au-delà de l’instinct sexuel, le désir érotique répond à d’autres composantes. La beauté négatrice de l’animalité, qui éveille le désir, aboutit à l’exaspération du désir et à l’exaltation des parties animales.”
(**) Essa tradução encontra-se na nota 27 do texto “Imagem e Alegoria de Mulheres – Erotismo de perspectiva” de Laysmara Carneiro Edoardo. http://www.academia.edu/1011917/Imagem_e_Alegoria_de_Mulheres_-_Erotismo_de_perspectiva
Lendo um artigo sobre o fotógrafo Helmult Newton em uma antiga revista Photo (Mai 1993, p. 36), encontrei uma citação interessante de Georges Bataille,¹ o que me levou a pensar em algumas futilidades cotidianas atuais. Bataille afirma, entre outras coisas, que:
“A beleza da mulher desejável anuncia suas vergonhas; justamente, suas partes peludas, suas partes animais.”
Trata-se de uma citação um pouco longa que aborda as problemáticas do instinto sexual e do desejo erótico. Essa frase, no entanto, associa, no caso do instinto, “a beleza da mulher desejável [com as] anuncia (...) suas partes peludas, suas partes animais.” Mas, nos últimos anos, a moda entre as mulheres seria depilar todos os pêlos, incluindo aqueles de “suas partes sexuais”. O tema foi discutido num episódio da série “Two and Half Men”:
“Herb: Estou num hotel que tem filmes pay-per-view para adultos. (...) O que aconteceu com pêlos pubianos?
Charlie: Tiveram o mesmo destino do pássaro dodô [espécie símbolo de extinção], meu amigo.
Herb: Eu quero dizer, eu posso entender o que acontece com as mulheres, mas... com os homens também? É como ver uma casa feia, ou seja, um pouco de arbustos ajuda a disfarçar a aparência da propriedade. (...) E você? Você apara as antigas cercas?
Charlie: Sim. Elas estão em forma como os personagens da Disney.” ²
Isso lembra como as modas influenciam o comportamento das pessoas e como são rápidas as transformações.
Criada no pós-guerra (1953), com uma influência clara do cinema e do estilo chamadas “pin-up”,³ a revista Playboy serve como um exemplo. O visual era aceito de acordo com os padrões de cada período histórico, como a valorização das “as curvas femininas” na década de 1950 ou o estilo “cabide” (a garota extremamente magra como um modelo de passarelas) nos anos pós-1990.
A revista Playboy não aceitava, no início, fotos de mulheres tatuadas ou com “piercing”. A partir das mudanças ocorridas nos últimos anos, não houve outra alternativa (aos responsáveis pela revista) a não ser mudar as próprias regras.
A citação completa de Georges Bataille na revista Photo* (Mai 1993, p. 36) leva a outras considerações:
“A imagem da mulher desejável, a primeira a aparecer, seria insossa – não provocaria o desejo – se não anunciasse, ou não revelasse, ao mesmo tempo, um aspecto animal secreto, mas gravemente sugestivo. A beleza da mulher desejável anuncia suas vergonhas; justamente, suas partes peludas, suas partes animais. O instinto inscreve em nós o desejo dessas partes. Mas, mais além do instinto sexual, o desejo erótico responde a outros componentes. A beleza negadora da animalidade, que desperta o desejo, leva, na expressão do desejo, a exaltação das partes animais”**
Acredito que a compreensão das ideias de Bataille esteja melhor no texto original.* O que interessa, porém, é afirmação no que diz respeito ao desejo erótico na medida em que ele iria “além do instinto sexual”.
É verdade. O desejo erótico acontece na civilização, ou seja, quando o homem em si torna-se contraditório (basta lembrar do Id, Ego e Supergo de Freud) e as suas relações com os outros e com a própria natureza (lembro-me aqui de algumas leituras que fiz de Gramsci) ficam complexas.
Em outras palavras, a realização do desejo para o civilizado não é simples. Ele quer e pode mas não realiza o desejo.
Um exemplo (numa perspectiva mais geral) seria uma mulher - preocupada com a dieta e com os padrões “civilizados” de beleza – diante de uma geladeira repleta de alimentos, doces e bebidas.
Outro exemplo: o rapaz deseja ter relações sexuais com uma garota e diz isso para ela (que também deseja a mesma coisa naquele momento). Entretanto, levando em consideração crenças e normas inventadas na civilização (e que mudam de acordo com a sociedade e a época histórica), a garota diz “não” quando, de fato, gostaria de falar “sim”. Ela ainda apresenta vários “sinais” – que nem sempre são compreendidos pelo rapaz – que significariam várias possibilidades (incluindo, aqui, a de que “algum dia” aquele desejo poderia ser realizado). O resultado é a frustração dos dois numa situação em que os dois desejavam a mesma coisa.
Existe um afastamento do “instinto” e uma aceitação (alienada) de normas impostas na civilização, quando são incentivados sentimentos negativos (como frustração, rejeição, inveja e ciúme) porque existe uma busca pelo poder. Especificamente no capitalismo, ocorre o elogio da individualização e a admiração pela acumulação de bens materiais.
(¹) A citação está no livro: L’érotisme, les Éditions de Minuit, Paris, 1995.
(²) http://en.wikiquote.org/wiki/Two_and_a_Half_Men
(³) I had not had that kind of life since high school. It was being at that reunion and thinking about "Hef"--and all that I had been in school--that motivated me to create Playboy. So the spring of '53, (…) That idea came out of the movies and the pin-up pictures.”
http://money.cnn.com/magazines/fsb/fsb_archive/2003/09/01/350793/
(*) Em francês, é dito: “L'image de la femme désirable, donnée en premier lieu, serait fade – elle ne provoquerait pas le désir – si elle n'annonçait pas, ou ne révélait pas, en même temps, un aspect animal secret, plus lourdement suggestif. La beauté de la femme désirable annonce ses parties honteuses : justement ses parties pileuses, ses parties animales. L’instinct inscrit en nous le désir de ses parties. Mais au-delà de l’instinct sexuel, le désir érotique répond à d’autres composantes. La beauté négatrice de l’animalité, qui éveille le désir, aboutit à l’exaspération du désir et à l’exaltation des parties animales.”
(**) Essa tradução encontra-se na nota 27 do texto “Imagem e Alegoria de Mulheres – Erotismo de perspectiva” de Laysmara Carneiro Edoardo. http://www.academia.edu/1011917/Imagem_e_Alegoria_de_Mulheres_-_Erotismo_de_perspectiva